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06/02/2015 – O suicídio-massacre de Guiana, Jim Jones e o Templo do Povo

Quando as autoridades americanas e soldados chegaram a Jonestown, três dias depois do suicídio em massa, o cenário não podia ser mais terrível. Dante Alighieri teria ficado impressionado com a visão do Inferno que se transformou a bucólica colônia agrária do reverendo Jim Jones. Cerca de nove centenas de corpos, entre homens, mulheres e crianças, em estado de putrefação, se espalhavam por toda parte. A maioria encontrava-se estendido pelo chão, fora das casas, com o rosto voltado para a terra. Muitas famílias estavam unidas num derradeiro abraço da morte. Vários corpos já tinham sido mutilados, tendo seus pedaços arrancados por famintos animais selvagens. Jim Jones que se dizia o herdeiro de Cristo e de Lênin, deixara a vida como a verdadeira imagem do Diabo.

QUEM FOI JIM JONES?

James Warren Jones, quando criança chamado de Jonesie, nasceu em Lynn no estado de Indiana – EUA. Filho de um ferroviário que lutara na Primeira Guerra mundial e uma dona de casa. Sua cidade natal não lhe dera bons exemplos, Lynn sofria grande influência da Ku Klux Klan, a qual seu pai era seguidor leal. Em Lynn praticamente não existiam negros. Segundo o próprio Jones, “havia uma lei tácita de que os negros não podiam deixar que o Sol se pusesse sobre suas cabeças”. Falando sobre si Jim Jones afirmou que sua vocação para ajudar as pessoas começou quando ele ainda estava na primeira série do primário; nesta ocasião teria travado um diálogo com um vagabundo que parara próximo de sua casa e vendo que o mesmo estava sem esperança e quase desistindo da vida, se dispôs a ajudá-lo. Com o auxílio de sua mãe, Sra. Lynetta Jones, conseguiu-lhe roupas, deu-lhe comida e finalmente arranjou-lhe um trabalho. Jones casou-se aos 18 anos com uma enfermeira, Marceline Baldwin, logo após sair da escola secundária; ainda titubiando entre seguir a carreira médica e clerical. Estudou para ser pastor em Indianápolis e aos 21 anos abriu uma pequena igreja ecumênica em 1953, a Assembléia Cristã da Igreja de Deus. Dez anos mais tarde mudou o nome da igreja para Igreja do Evangelho do Templo de Deus. O casal terminou com oito filhos, sendo sete adotivos entre eles um negro e um coreano.

Aos trinta anos, quando o “Movimento” dos negros nos Estados Unidos começava a ganhar muita força, Jones foi nomeado diretor da Comissão de Direitos Humanos de Indianápolis. Rapidamente seu prestígio crescia divulgando-se na imprensa. Cada vez mais o jovem pastor angariava influência no meio político, civil e religioso. Recrutava negros para a sua igreja, pregando igualdade racial e discursava sobre direitos civis, além de distribuir refeições para os necessitados.

Durante os anos de 1961 a 1963, Jim Jones mudou radicalmente sua forma de vida, optando por um estilo missionário. Mudou-se para Belo Horizonte, no Brasil, onde organizou orfanatos e uma missão religiosa.

De volta a sua terra natal, em 1964 foi ordenado ministro da Igreja Cristã, uma seita importante, com cerca de um milhão e 300 mil seguidores.

O reverendo apresentou um grande tino para negócios. Divulgando a possibilidade de holocausto nuclear, apontou a cidade de Ukiah, no norte da California, e de Belo Horizonte, no Brasil, como os lugares que estariam a salvo da radiação. Em Ukiah comprou uma igreja e alguns terrenos. A partir daí estendeu sua influência para San Francisco e Los Angeles, angariando mais adeptos. Destas cidades organizava excursões para sua terra prometida (Ukiah) que lhe rendiam milhares de dólares a cada final de semana. Mas não eram só as excursões que faziam a renda de Jones crescer, segundo ex-membros da seita, ele sistematicamente espoliava os bens de seus fiéis, além de arrecadar constantes contribuições de seu público. Só em cheque de Assistência Social o Templo do Povo arrecadava 65 mil dólares por mês. Os fiéis deveriam contribuir inicialmente com um quarto de seu salário, depois 40% e, finalmente, entregavam tudo o que possuíam. O dinheiro era tão farto que teve que ser distribuído em 15 contas separadas. Também, segundo afirmações de ex-seguidores, possuía cerca de 10 milhões de dólares em contas na Europa, Guiana e California. Depois do suicídio em massa na Guiana, encontrou-se centenas de milhares de dólares em dinheiro e cheques junto ao cadáver de Jones.

Em 1971 Jones comprou uma antiga sinagoga em San Francisco e uma segunda igreja em Los Angeles. As obras de benefício de Jones atraíam a imprensa nacional e sua fama crescia cada vez mais.

Em 1973 Jones enviou a Guiana uma expedição a fim de encontrar o lugar para criação de sua colônia agrícola para os jovens dos guetos. Em 1974, negociou com o governo da Guiana o arrendamento de 27 mil acres na selva, ao norte da pequena cidade de Porto Kaituma. Por esta época havia ocorrido um incêndio na igreja de San Francisco e Jim Jones havia desenvolvido um sentimento de perseguição por forças malignas nos Estados Unidos, as quais supunha pretenderem destruir a vida de sua igreja.

Ao mesmo tempo começaram a aparecer os primeiros dissidentes da seita, que o acusavam não só de tê-los espoliado materialmente, mas também, aproveitando-se de uma terrível dependência emocional e verdadeira servidão religiosa, subtraía-lhes os entes queridos. Filhos, irmãos e irmãs simplesmente davam as costas para seus familiares e seguiam cegamente o reverendo Jones. Além destas acusações apareciam outras ligadas à exploração sexual, inclusive homossexual, as quais eram agendadas por sua secretária. Em contrapartida o ato sexual era terrivelmente condenado por Jones entre os seus discípulos, muitas das vezes até entre os casados. Além de tudo, não faltavam às muitas denúncias de espancamento e humilhação, aplicados como pena em sua seita.

Em 1976 iniciou o processo de Grace e Tim Stoen contra Jones, acusando-o de aproveitar-se do momento de insanidade do casal enquanto seguiam cegamente as suas orientações, fazendo com que eles dessem legalmente para o reverendo a guarda de seu filho, John-John. Neste momento, livres do pesadelo, queriam seu filho de volta. De fato, Jones criava John-John como seu próprio filho e, talvez, o preferido. A um repórter chegou a dizer que na verdade John-John era seu filho natural, pois Tim Stoen o havia pedido para que tivesse relações sexuais com sua esposa e ele aceitou, por achar que isso os faria bem.

Criou-se na California a associação dos “Parentes Preocupados”, que tinha como objetivo denunciar as manipulações de Jones, além de maus tratos (seções de espancamentos), cárcere privado e alienação de seus seguidores.

Em junho de 1977, Jim Jones mudou-se com toda a sua família para a colônia agrícola da Guiana, Jonestown. Ele acreditava que o isolamento na selva faria com que ficasse livre de seus inimigos nos Estados Unidos. Aliás, procurou manter uma certa aproximação com o governo da Guiana, a fim de que lhe fosse garantido o apoio político deste país.

Nos Estados Unidos o deputado Leo J. Ryan, da California, assumiu a liderança nas investigações sobre as denúncias dos “Parentes Preocupados”, iniciando uma cruzada contra Jones a fim de obter permissão para uma comissão de investigação sobre o caso.

O SUICÍDIO-MASSACRE

O deputado Ryan da California conseguiu em fins de 1978 a autorização do Governo dos Estados Unidos para empreender uma investigação profunda sobre as denúncias dos “Parentes Preocupados”. Desta maneira ele organizou uma comissão para ir à Guiana, levando consigo repórteres e alguns dos "parentes preocupados", que tinham a intenção de convencer seus familiares a deixarem de lado as pregações apocalípticas de Jim Jones e retornarem aos Estados Unidos.

Depois de passarem em Trinidad-Tobago chegaram a Georgetown, capital da Guiana. Após dois dias de preparativos e negociações com as autoridades guianesas e representantes do Templo do Povo, finalmente o deputado Ryan e sua comitiva seguiram, no dia 17 de novembro, para Jonestown, a colônia agrícola de Jones. Percorreram um trecho de uma hora, saindo do aeroporto Timehri, em Georgetown, até a pequena pista de pouso de Porto Kaituma, de onde seguiriam de caminhão por uma estrada lamacenta até a colônia.

A visita começou já no início da noite e variou com o humor de Jones, desde uma calorosa recepção, com comidas e músicas, até literalmente a expulsão da comitiva no final da noite, tendo eles que regressar no mesmo caminhão para o vilarejo de Porto Kaituma, onde foram hospedados numa velha discoteca, cujo dono havia sido convencido a deixá-los passar a noite dormindo no chão.

No dia seguinte, 18 de novembro, retornaram para nova visita às instalações de Jonestown. Esta visita foi marcada pela tensão, pois o deputado Ryan insistia em levar consigo os seguidores que desejavam desistir da seita. Apenas no final da tarde a proposta foi aceita por Jim Jones, mas com as observações que os desertores sempre o traíam ao sair e inventavam terríveis mentiras sobre ele e o Tempo do Povo.

À medida que se aproximava a hora da partida, e já estando confirmadas dez deserções, a tensão aumentara ao ponto de um seguidor de Jones tentar assassinar o deputado Ryan com uma faca. Ryan escapou do atentado graças a investida de um membro da comitiva, Mark Lane, sobre o agressor; sendo este o único ferido com a faca. Decidiram partir imediatamente pois em breve estaria escuro, e o clima de tensão sugeria que algo muito grave estaria para acontecer. Embarcaram um total de 16 pessoas no caminhão para seguirem até a pequena pista de Porto Kaituma.

Chegaram à pista por volta das 16:25h. Estavam decidindo a divisão dos passageiros entre os aviões, que já os esperavam, quando da outra extremidade da pista surgiram, a uma distância de 300 metros, um caminhão basculante e um trator puxando uma pequena carreta, vindos da colônia de Jonestown. Isto já indicava que haveria um grave conflito. O avião menor começou a taxiar e neste momento os ocupantes das viaturas de Jonestown iniciaram o tiroteio. Uma parte da comitiva conseguiu escapar por ter fugido para a mata próxima, mas o rápido ataque deixou cinco mortos, entre eles estava o deputado Leo J. Ryan. Outros três ficaram gravemente feridos. Enquanto ocorria o ataque à comitiva, Jones dava início ao macabro ritual de suicídio coletivo, ou "suicídio revolucionário" como ele pregara diversas vezes durante os vários treinamentos anteriores os quais chamava de Noite Branca.

Segundo o relato dos sobreviventes, Jim Jones mandou que todos os seguidores fossem ao pavilhão de reuniões, dispondo seus guardas armados ao redor da população para evitar que houvesse fuga. Explicou incansavelmente que estava tudo perdido e que em poucos minutos uma força militar guianesa estaria na colônia para prendê-los e lhes infringirem os mais terríveis castigos, inclusive nas crianças e velhos, e que todos deveriam morrer com dignidade tomando a poção que seu médico preparara, uma mistura de suco de uva com cianureto e tranquilizante. Para garantir o comprometimento dos adultos o sacrifício foi iniciado com as crianças, nas quais a dose de veneno era injetada na boca, deixando-os sem qualquer opção. Os adultos seguiam em filas para receberem (alegremente, como narra um dos sobreviventes) suas doses de veneno. Quando muitos começaram a cair, se contorcendo, espumando pela boca e sangrando pelas narinas, houve um momento de sanidade que ocasionou certo pânico entre os seguidores. Alguns tentaram fugir, mas foram detidos pelos tiros dos guardas de Jones. Outros poucos seguidores conseguiram fugir pela selva, ficando centenas de cadáveres espalhados pelo chão. No final o reverendo Jim Jones suicidou-se com um tiro na cabeça. Após a contagem final dos corpos verificou-se um total de 913 cadáveres. Chegava ao fim as promessas de uma sociedade igualitária religiosa-socialista do Templo do Povo.